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Parte I

Aqui em São Paulo tenho um amigo muito querido que é terapeuta biofísico. Ele tem ótima formação em massoterapia e acupuntura. Esteve na China para aperfeiçoar a sua prática de acupunturista. Pessoalmente ele é uma pessoa muito empata. Sua clínica recebe pessoas de todas as idades e vários locais. Geralmente ele sugere a alguns dos seus pacientes que procurem uma psicoterapia.

 

Sou muito grato que ele tem indicado pessoas para meu trabalho em saúde psicoemocional nos últimos anos. Por que ele sugere as pessoas que têm determinadas dores no corpo para procurarem uma psicoterapia? Essa é uma conexão inteligente que meu amigo faz do seu ambiente para um ambiente de psicanálise/psicologia. Nossas dores são mais que dores biofísicas. Muitas vezes elas são mensagens que precisamos decodificá-las para compreender de forma mais ampla como está o funcionamento de nossas vidas. Toda dor está indicando algo para nós.

 

Atendi um médico há alguns anos, que não conseguia andar quase nada. Foi impactante para mim quando o vi a primeira vez ao chegar ao consultório. Ele, um super profissional, homem bonito, inteligente, com ampla carteira de bons clientes e entrando para um total travamento de seu corpo. Alguém veio junto para dirigir para ele. Há algumas semanas não conseguia mais dirigir e naqueles dias não conseguia quase andar mais.

 

Na primeira sessão procurei compreender em grande parte o universo emocional dele dos últimos anos. A primeira coisa que falou:  

 

“fiquei viúvo há alguns anos. Minha linda esposa foi a óbito. Um câncer muito rápido a levou. Me deixou um querido filho e que hoje é adolescente. Anos mais tarde após seu óbito busquei um novo relacionamento. Ficamos juntos por um tempo e não deu certo. Após, decidi ficar sozinho por um certo tempo. Mas nos últimos anos meu corpo inventou de ter dores estranhas. Ao fazer acupuntura o profissional me sugeriu fazer uma psicoterapia. Aqui estou”.

 

No processo da psicoterapia, na terceira semana, ou terceira sessão, é quando eu posso ter uma identificação mais segura do quadro psicoemocional da pessoa. Além de perceber um ativo encadeamento interno - de cadeado mesmo -, diagnostiquei que ele desenvolveu em um luto não devidamente processado a famosa alexitimia.

 

Ao perder sua amada esposa, lançou-se obstinadamente nas diversas pautas do trabalho. Além de atender em seu consultório durante todo o dia, passou também a atender em domicílio. Ele precisava ao máximo preencher o seu tempo. Muitas madrugadas ele se deslocava para atendimento de emergências familiares, acidentes automobilísticos etc., deixando de ter um sono de qualidade e o devido descanso. Seu corpo aos poucos foi entrando em uma exaustão silenciosa e ele não percebia. A sorte desse paciente é que ele não é fumante e nem faz uso de qualquer tipo de bebida alcoólica.

 

No aspecto psicoemocial ele passou a desenvolver a alexitimia. Essa é uma condição mental caracterizada por dificuldades em identificar e expressar as emoções. Emoções são também “energias” e quando elas são contidas ou retidas um acúmulo interno e desconfortável passa a ser gerado. Algo que não é canalizado vai criar uma espécie de “nó” e isso vai dificultar o natural movimento do corpo. Mães imaturas fazem tudo para que o bebê nunca possa chorar. Logo mais o bebê terá dificuldade de respiração. O ato de chorar é também emocional e faz parte da mecânica natural no sentido de fortificar os pulmões e a capacidade respiratória e de oxigenação do corpo.  

 

Propus ao meu paciente cirurgião uma análise cuidadosa no processo terápico de suas emoções retidas. Sugeri que ele iniciasse ao lado da terapia uma superação de seu certo isolamento social. Que procurasse novas conexões e novos espaços de interação. Ele fez isso de forma incrível. Algumas semanas depois tinha uma bela namorada. Ela, uma mulher amadurecida, tinha saído de um casamento estéril. Fazia um curso superior e buscava dar um formato bem inteligente a sua nova vida.

 

Essa ralação ajudou ao meu paciente a voltar de uma forma saudável e consciente a si mesmo. Esse movimento de volta para o nosso próprio “eixo” é super curativo. Aos poucos com a ajuda da acupuntura e da psicoterapia, ele foi voltando ao seu movimento natural. Novas energias surgiram em seu corpo e em sua psique. Uma pessoa saudável e com melhor autoestima e autoconfiança estava vindo. Isso foi incrível.

 

A próxima etapa da psicoterapia foi sugerir a ele uma nova gestão em seu trabalho. Então ele deixou de trabalhar as noites. Buscou alguém de confiança a quem confiou a gestão de seu consultório, ficando mais livre de muitas coisas que tirava ele do foco, que é ser cirurgião. As coisas passaram a andar melhores. Alguns meses depois ele não sabia mais o que era qualquer dor em seu corpo. Sua postura passou a ser como a de um soldado. Não havia mais divórcio entre seu corpo e suas emoções.

 

Em minha lenta e contínua formação na área da psicanálise e da psicoterapia clínica, pude adentrar no campo onde renomados autores têm trabalhado muito para ajudar que se rompa com essa dicotomia entre corpo e mente.

 

Ainda nos anos ‘90 pude conhecer a literatura do Dr. Rüdiger Dahlke (Alemanha). Sua clássica trilogia tendo como ponto de partida ‘A Doença como caminho’, depois ‘A Doença como Linguagem da Alma’ e ‘A Doença como Símbolo’ tem ajudado a milhões de pessoas em todo o globo. Dr. Rüdiger está entre os primeiros na Europa pós-guerra que abriu a clínica para uma prática curativa onde se considera como fundamental a compreensão e a cura a partir da Psicossomática.

 

Quando estamos gripados, com dor de cabeça constante, problemas respiratórios, dores nas costas, dificuldade para uma evacuação normal, tonturas, insônias, urina solta, manchas desconhecidas no corpo, queda repentina de cabelo, urina fétida, etc, etc, é so isso mesmo? Basta ir à farmácia e comprar um anti-inflamatório ou qualquer coisa visível nas centenas de ofertas? Ou precisamos desconstruir crenças e assimilar como um real credo o que nos diz Jung, psiquiatra suíço: somos unidade, corpo, mente e espírito.

 

Aguarde a parte 2 dessa prosa.


Abraço a você que passa por aqui!

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Nossas muitas dores e nossos poucos amores

Estamos
muito cansados

SOMOS CANSADOS🥱

- Este texto foi originalmente publica em dezembro de 2021 no contexto do Natal e de final de ano. Esta publicação agora tem partes omitidas e o texto integral está em meu Facebook em data de 25.12.2021.

 

Descanso é descansar.


O verbo desCANSAR é simplesmente desfazer ou desconstruir o cansaço.

A maioria das pessoas não sabe descansar. Elas pensam estarem descansando, mas na verdade estão também se cansando sem se darem conta disso.

 

O DESCANSO é algo que pessoalmente considero muito sagrado. Na tradição judaica e retomada por Jesus séculos mais tarde o descanso é sagrado. Até o próprio Deus descansou e deixou um dia da semana para o real descanso.

 

No capitalismo selvagem e predatório que estamos mergulhados falar de descanso até soa meio cafona e fora da realidade. O período de férias em todo o mundo foi adquirido à duras custas por parte dos trabalhadores fabris e que depois se estendeu a todas as categorias de trabalho. Sangue foi derramado para firmar o direito que protege o descanso. É cruel quando se sabe que o trabalhador precisa “vender” parte de suas férias ou toda ela para pagar suas contas. É o capital se sobrepondo ao humano. Terrível isso.

 

Em sessões de psicoterapia clínica ou análise psicanalítica sempre ouvimos as crescentes verbalizações: estou com enorme cansaço, vivo em estado contínuo de esgotamento, a exaustão está me rondando e preciso tomar cuidado, etc, etc. Nos relatos de enorme cansaço vem também de parte de algumas pessoas o apelo a uma consciência saudável quando dizem: “sei que preciso recarregar minhas baterias”.

 

Esperam da psicoterapia formas, instrumentos e abordagens que de fato ajudem a sair do perigoso terreno do cansaço contínuo. Aqui pretendo ampliar a visão de cansaço, quando na verdade ele não é tão somente físico como imaginam muitos. Temos muitas vezes vários cansaços ao mesmo tempo e aí mora um perigo.

 

CANSAÇO FÍSICO

Sabemos quando estamos realmente fisicamente cansados é quando precisamos lutar para manter os olhos abertos ou quando o simples caminho de ir para a cama parece longo e difícil. O corpo está entregue e você sente em estado de lentidão e quase parando. Muitos pacientes dizem: “eu não tenho mais um sono bom. Levanto-me sempre cansado, parece que tenho o mundo nas costas”.

Na verdade, o sono nada tem a ver com a situação. O que está em ação é o chamado DEFICIT DE DESCANSO. As pessoas não descansam descansando e fica uma margem de cansaço e que vai afetar a qualidade do sono. Quando estamos de fato cansados? Medimos o cansaço físico pela energia que ficou muito baixa e os contínuos bocejos que não param.

 

Têm alguns atenuantes?

Sim. Uma boa sessão de massagem, uma sessão de Yoga ou meditação com respiração profunda. Para muita gente funciona uma boa xícara de chá quente com aromatizante. Esses atenuantes é para ao menos amenizar o cansaço até que a pessoa possa de fato ter o espaço e tempo favoráveis ao seu justo descanso.

 

CANSAÇO MENTAL

Hoje sabe-se que as diversas síndromes em pauta levam a doenças mentais. A indústria dos ansiolíticos não para de crescer e isso em parte é bom. Mas pode ser um círculo nocivo. A sociedade capitalista predatória gera pessoas ansiosas e gera indústrias para produzirem bilhões de vidros e cartelas de ansiolíticos por ano. De qualquer forma os profissionais da mente – os três PSIS – Psicólogo, Psiquiatra e Psicanalistas – tem muito para trabalharem daqui para a frente. Junta-se a eles os Neurologistas e outros terapeutas que começam a ganhar espaço e dentre eles os que fazem uso dos psicodélicos e similares.

 

Sabemos em primeira mão quando uma pessoa tem considerável cansaço mental é quando ela perde boa parte da concentração ou o foco. Sem concentração e sem foco desencadeia outros processos e que trazem de muitas formas prejuízos à pessoa/família, como financeiros, afetivos, criativos, etc. Hoje a mente humana precisa diariamente lidar com milhares de informações, estímulos, notificações, tensões, etc. A lista é crescente e só piora a cabeça das pessoas. Com o cansaço mental as empresas perdem bilhões por ano, os Estados se sobrecarregam com tratamentos para seus cidadãos e assim a coisa vai se tornando algo espantoso e preocupante. Obviamente que o cansaço mental tem muitas outras nuances e que aqui não estou adentrando.

 

E O RIVOTRIL?

É o mais consumido em todo o mundo segundo estatísticas da indústria farmacêutica dos fóruns internacionais de controle medical. O Brasil é um dos países com mais gente ansiosa do planeta. Bilhões de vidros de Rivotril (Clonazepam) são fabricados anualmente no mundo. O descanso mental tem a ver com a velha sabedoria grega: UMA MENTE SÃ EM UM CORPO SÃO. Mas não é essa nossa realidade. Tem gente com corpo saudável e uma cabeça com sérias disfunções mentais e que alteram significativamente seus comportamentos familiares e sociais.

 

CANSAÇO EMOCIONAL

O cansaço emocional é crescente em todo o globo nos últimos dez anos. Para mesurarmos o cansaço emocional é só perceber bem consciente como a gente se sente após um funeral, após o rompimento de uma relação amorosa que era importante ou após ver um longo Filme/Série e que de alguma forma nos impactou não para mais, mas para menos. Nossos sentimentos ficam confusos e os pensamentos parecem drenar nosso emocional. Pessoas que vivem sozinhas com quase nenhuma conexão familiar ou social tende a ter muito cansaço emocional. Em ambientes de trabalho em empresas e similares, as relações tóxicas podem inicializar um cansaço emocional. Brigas entre vizinhos é outro espaço gerador de cansaço emocional.

 

É consenso que pessoas muito desgastadas com o cansaço emocional precisam fazer uma boa terapia. A conexão com o espaço/consultório psicoterapêutico e verbalização dos sentimentos ajudam para um “esvaziamento” e um equilíbrio, inclusive evitando que a mente possa entrar em uma arriscada exaustão. Geralmente pessoas cansadas emocionalmente tornam-se agressivas. Passam a dar respostas curtas e com tom de voz tenso. Nessas situações se a pessoa mesma não percebe sua alteração comportamental é importante que os familiares ou os colegas de trabalho sejam gentis e ajude a pessoa a se tornar ciente da alteração emocional.

CANSAÇO ESPIRITUAL

Eu sempre gosto de deixar claro que prática espiritual é uma coisa e prática religiosa é outra. Há muita confusão e muita gente não consegue perceber a fronteira de ambas. Pessoas espiritualmente cansadas passam a também terem a sensação de estarem espiritualmente esvaziadas. Elas parecem não segurar mais a iluminação interior adquirida e sentem que o seu âmago pede por algo que não sabe bem o quê é. Passa a ter ideia de que Deus está distante e tem uma sensação de vazio e de falta de sentido. Elas ficam sem ancoragem. A sensação de que a vida parece estar solta, à tona. Enfim, sem alicerces ou sustentação interior. Quando se toma a consciência de que está vivendo um cansaço/desgaste espiritual, é preciso buscar ativar um canal espiritual, renovar crenças, rever valores, preparar um cantinho de conexão espiritual ou algum símbolo espiritual.

 

Hoje muitas pessoas não se reconectam com uma ação espiritual via os templos físicos, espaços de celebração com mais pessoas ou mesmo práticas de tradições espirituais herdadas de seus familiares. Crescem as chamadas “espiritualidades alternativas” onde entra a tarologia com seus arcanos maiores e menores, conexões com o universo, símbolos carregados de manifestações e mensagens que remetem ao interno. Há uma pluralidade dessas ditas espiritualidades e são crescentes hoje em todo o mundo, enquanto os templos religiosos tradicionais sempre ficam mais esvaziados. Geralmente os adeptos dessas espiritualidades dizem: eu tenho meu jeito de me relacionar com Deus e não preciso de meios ou mediações humanas ou outras para essa relação.

 

Tem algum atenuante?

Sim. Pessoas cansadas espiritualmente precisam na verdade de abastecimento e novas conexões com elas mesmas, com os outros e com o universo. Aqui também vale elas se abrirem para uma relação de generosidade, compaixão e alteridade. Envolver-se em alguma forma de voluntariado pode trazer descanso espiritual e realinhar suas crenças reacendendo alguma centelha interna.

 

CANSAÇO SENSORIAL

Pessoas em estado de cansaço sensorial não toleram qualquer barulho e até uma buzinada no trânsito leva elas para “guerra”. Este chamado déficit sensorial potencializa a ansiedade dos já bem ansiosos. Hoje a prevalência de telas de todos os tipos está levando milhões de pessoas a um preocupante cansaço sensorial. As telas estão afetando os olhos dos usuários menos atentos aos seus malefícios com uso prolongado e muitas vezes sem as devidas pausas ou dias de desintoxicação tecnológica.

 

O cansaço sensorial está deixando as pessoas mais irritadas, menos tolerantes, algumas potencializam hábitos antissociais. Tem aumentado, segundo analistas da área, o número de divórcios gerados pelo uso indevido da tecnologia. Casais levam para seus leitos seus smartphones e assim a distração, os mil estímulos da realidade virtual sobrepõem à vida cotidiana e vai aos poucos “minando” a relação até ela perder o sentido, a poesia e o encanto. Parece mais fácil falar com o computador/smartphone e assim as prosas vão se encurtando até acabar. Sem prosa, partilha e atenção um pelo outro não há relação que se mantenha.

 

Terapeutas que se especializaram em atendimento aos dependentes online sugerem que um dia por semana se deve deixar totalmente qualquer tipo de tela (também TV) para que o cérebro humano possa de novo entrar em sua própria dinamicidade. Estímulos ininterruptos com o tempo “distorcem” boa parte da cognição humana. Acho que logo mais vamos precisar muito de Piaget. No processo de descanso sensorial é importante sair das telas e tomar ar fresco, ler um bom livro, caminhar com alguém que você gosta e conversar bastante enquanto caminha, ver o pôr do sol real, na espera no salão para ser atendido/consultório ler as revistas disponíveis, mesmo que velhas ou desatualizadas, etc. Ainda se poderia falar de outros dois cansaços: o social e o criativo. Mas não trato aqui por não ficar muito longa essa prosa.

 

Finalizando, sempre gosto de trazer para meu presente uma incrível síntese do Dr. Cal Gustav Jung: “somos unidade – corpo, mente e espírito”. Quando uma ou duas partes dessa unidade cansa, o todo sofre e paga-se um alto preço. Descansar é algo curativo, espiritual e humanizante.

 

Para quem tem interesse em compreender melhor outros aspectos do cansaço na atual sociedade acelerada sugiro a leitura do pequeno livro do filósofo coreano radicado na Alemanha, Byung-Chul Han, com o título SOCIEDADE DO CANSAÇO e publicado pela Editora Vozes.

VOCÊ SE REINVENTARIA?

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Uma abordagem para um olhar mais acurado ao seu interno.

 

A pergunta que abre este texto parece boba. Afinal você pode responder: qual a razão para que eu me reinvente? Há várias razões. Nenhuma, se você se sente em uma tranquila zona de conforto e tudo na sua vida está bem funcional. Várias razões, se você sente que nessa altura de sua vida está precisando redefinir para que direção deve voltar a bússola do barco de sua existência.  

 

Pessoalmente acho incríveis as pessoas que são capazes de se reinventarem. Há pessoas que são tomadas por um surto de sinceridade e descobrem que suas vidas se tornaram obsoletas, estéreis, desérticas ou mesmo paradas em todos os sentidos. Elas são tomadas por uma reflexão mais profunda que pode ser gerada por suas mentes buscando sentido, por uma situação que acabou gerando uma profunda sacudida, ou mesmo, por quererem voltar a um eu mais autêntico e melhor.

 

Conheci Lyam em meados da década de ‘90 do século passado em uma breve temporada de estudos que fiz em Bonn, Alemanha.  Ele, um jovem belga, estava indeciso entre ser monge ou ser médico. Um belo jovem, saudável, inteligente, empático e muito comunicativo. Lyam pediu para conversar comigo e queria saber como fazer um discernimento pessoal mais profundo.

 

Eu, ainda jovem e adentrando na espiritualidade e no acompanhamento de pessoas certamente teria algo a dizer a ele. Sua busca por um caminho para sua vida de adulto era sincera e não queria brincar consigo mesmo e nem com seu futuro. Disse a ele que naquele final de Séc. XX um médico teria mais contribuição social a fazer que um monge. Caberia a ele escolher qual o valor social que queria dar a sua existência.

 

Ajudei Lyam a entender que uma escolha de um estilo de vida não seria também algo petrificado. Poderia ser desconstruída caso no futuro as coisas tomassem outros rumos ou adquirissem outros sentidos. Nossas vidas não estão apoiadas em bases sólidas e manter essa crença é questionável. Ele, com seu típico racionalismo europeu não foi tão acolhedor dessa visão de “vida sem bases sólidas garantidas”.

 

Doze anos mais tarde reencontrei o Lyam novamente na Alemanha. Ele agora era um médico exitoso. Um adulto realizado e feliz. Casou-se com uma bela mulher que também se tornou médica e trabalhavam juntos em um renomado centro de saúde na Bélgica. Me disse que a vida estava sendo muito generosa com ele e pensava em ter filhos logo mais. Tudo fluía bem e tudo era funcional na vida do Lyam. Infelizmente algo aconteceu e Lyam teve sua vida, segundo ele, “zerada” a partir da perda da esposa em um grave acidente de automóvel numa escura e fria manhã de inverno no sul da Europa.

 

Sua visão de mundo desandou. Desandou também sua vida que era funcional e tranquila. Lyam lidou de forma muito difícil com os dois primeiros anos do luto. Quem não? Foi acometido de uma depressão maior. O suporte medical e a terapia semanal ajudaram muito. Ele não tinha mais aquela energia para investir no trabalho de médico com todo o amor que fazia antes. Achou honesto ressignificar sua vida. Deixou a estabilidade que tinha na Bélgica e foi, como ele mesmo dizia, recomeçar tudo de novo em outra parte do mundo e em um trabalho totalmente diferente. Antes de entrar na faculdade de medicina tinha estudado algo de computação por dois anos.

 

Hoje Lyam é um mega profissional em IA - Inteligência Artificial - na Índia. Trabalha em uma empresa grande e que presta serviços em várias partes do mundo. Trocou o bisturi pelos algoritmos. Decidiu que ficaria sozinho por um tempo indeterminado. Creio que ainda está sozinho e agora já envelhecendo. Vinculou-se a uma fé budista (Buda Sakymuanie) e nos finais de semana dedica muitas horas à meditação, ao silêncio e ao treinamento de pessoas na espiritualidade que cultiva com muitos outros homens e mulheres. A sensação de pertencer a uma comunidade de pessoas que cultivam valores espirituais de iluminação e elevação do âmago deixa ele uma pessoa melhor e mais feliz.

 

A vida de Lyam ao ser “zerada” aos 40 anos trouxe a ele a involuntária necessidade de reinvenção. Não se reinventa a vida porque é romântico fazer isso. Reinventa-se na maioria das vezes com um certo preço a pagar. Muitas e muitas vezes o preço é bem alto. Por isso requer uma fantástica capacidade de coragem.

 

Pessoas inseguras, oscilantes e com baixa autoestima geralmente se submetem a uma vida que não é mais a vida que quer. Elas têm desejos de uma vida diferente, mas não têm forças para formatarem a nova vida. Nessa situação elas acomodam em certa mediocridade e deixam de serem generosas consigo mesmas. Há uma tendência dessas pessoas irem se petrificando por dentro. Conhecemos pessoas que aparentemente estão estabilizadas e passam uma visão de que tudo está bem. Na verdade, elas vivem uma representação. Se pudessem decidir o que gostaria de ser ou fazer tudo seria bem diferente.

 

A reinvenção é algo de movimento. Ao se reinventar entra em uma dinâmica que leva a novos espaços, novos valores, novas conquistas e até a um novo visual. Lyam trocou o jaleco de médico por camisas polos e as vezes pelo blazer e gravata quando marca presença nas reuniões de diretoria da empresa. A pessoa que se reinventa sabe que sua vida adquirirá um novo formato. Algumas gostam, como Lyam, de encontrar novos espaço e até fazer novos amigos.

 

Pessoalmente gosto da palavra reinvenção. É na verdade voltar ao vento. Aqui converso com acultura judaica que tem em Ruah = sopro divino, vento sagrado a força da criação ou da renovação no livro bíblico de Gênesis. Deus soprou nas narinas de Adão e o hálito de Deus, o sopro, deu vida ao Adão de barro. Um Adão que estava se petrificando, virando pedra, foi novamente humanizado. Com o sopro (vento) sagrado ele foi reinventado. Saiu da paralisia e tornou capaz de movimento. A vida é movimento. Tudo que para, fica estático ou não gera mais dinâmicas de sístoles ou diástoles (altos e baixos) leva a uma doença que tem na imobilidade sua causa mortis garantida. O que diz o povo é também ciência: água parada apodrece.

 

Em psicoterapia ou análise psicanalítica deparamos com situações humanas onde requerem para ontem a reinvenção. Muitos querem a reinvenção, mas não querem pagar o preço que é necessário e alto. Ficam em evasivas e em inalcançáveis objetivos e desejos. Não fazem um realista autoexame crítico. Apenas giram em torno do próprio eixo e não dão o start que é preciso para gerar o novo. Com medo e insegurança em vez de coragem e confiança, jamais se fará a reinvenção. Não é capaz de reestruturar-se.

 

A reinvenção é para quem se percebe consciente que está se petrificando e que não quer viver o restante de sua vida nessa condição. Então a pessoa se abre ao novo vento - sopro criador - e se permite a uma nova forma de ser e fazer. Reinventar-se é continuar melhor, mesmo que com dúvidas, mas jamais com medo.

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